Começar a contar uma história de trás para frente pode ser complicado. Mas pode ser ainda mais difícil partir dos primeiros momentos depois que muito tempo já se passou. Eu agora vou falar dos dias de hoje, do que tenho vivido e irei acrescentando trechos de mais essa minha história.
Ontem eu tive uma crise de abstinência. Tive um surto de falta do meu ex-marido. Pelo que já li dos depoimentos de dependentes químicos em tratamento, uma separação afetiva tem muitas coisas semelhantes. Não é a primeira vez que isso acontece nos últimos trinta dias, período em que deixei de viver com ele. De repente todos os meus pensamentos se voltam para esse homem, para todas as lembranças (boas e ruins) da convivência com ele, e num misto de amor e ódio sinto um impulso incontrolável de ligar para ele, de encontrá-lo, de arrancar dele um tanto de carinho, um afago na cabeça, sexo. Algumas vezes esse impulso é controlado, outras, como ontem à noite, não.
A parte estranha de tudo, sem lógica, sem sentido, é que eu já me decidi, já ponderei, já racionalizei que não posso, não devo e não quero mais uma relação com ele, e mesmo assim essa coisa me empurra para o abismo que é procurá-lo, sempre ouvindo palavras duras, destratos, humilhações, sempre numa condição de quem se rasteja e é rejeitado. Como na dependência química, você sabe que precisa parar, que já deu passos importantes nesse sentido, que está no caminho certo e quer continuar nele, mas a droga te chama e te diz que é só dessa vez, que é só um pouquinho, que no outro dia vai estar tudo bem. Aí, quando você cede, nos primeiros instantes você se sente feliz de novo, seus problemas desaparecem, o choro vai embora, mas no momento seguinte, você olha a droga com ódio, dela e de você mesmo, arrasado, humilhado, se sentindo a criatura mais desprezível do mundo, tem vontade de desaparecer, de morrer e jura que nunca mais vai ceder de novo. Quando o efeito de tudo passa, você tem a pior ressaca moral da sua vida, e a próxima ressaca é sempre pior que a anterior. E você pensa como seria aceitar o seu vício e conviver com ele, deixando a recuperação de lado e se entregando à dependência. Você pensa que continuar drogado e dependente é mais fácil, menos sofrido do que continuar lutando para se livrar disso.
Alguns desfechos de relações amorosas são exatamente assim e no meio de tudo isso, num lapso de lucidez, você se pergunta se o que você sente é mesmo amor ou se é o efeito de uma doença. Eu sei a resposta a essa pergunta, sei de tudo que preciso para virar mais essa página na minha vida, mas o tempo é um carrasco e corre muito lentamente em situações assim.
Como os AA e NA e MADA e todo o resto eu preciso dizer: EU VOU VENCER MAIS ESSE DIA. SÓ MAIS ESSE DIA.
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