19 de mai. de 2010

Como um deprimido se sente

As mudanças vão acontecendo aos poucos. Pode ser difícil perceber. Uns dias mais cinzas, mais tristes, mais cansativos e arrastados, e vamos nos perdendo de nós mesmos. Podemos até querer ignorar os sinais, e especialmente esconder dos outros, dos que amamos, mas chega um momento em que não dá mais pra fingir, tudo aparece, tudo transborda através dos olhos, da voz tremida, da sequência de dores e doenças sem explicação, da irritação, da indisposição para fazer coisas que adorávamos (ainda adoramos). Talvez frio quando todo mundo sente calor, ou muito calor quando sentem frio, talvez medo de conhecer pessoas, de sair, de ter que escolher uma roupa pra vestir, medo de deixar um copo cair no chão da cozinha (o que pode provocar uma crise de choro).
Nos sentimos incompreendidos, absurdamente sensíveis, facilmente magoáveis, preteridos, feios, gordos demais, magros demais, com cabelos demais, ou de menos, chatos, desinteressantes, patéticos, idiotas… e essa lista vai muito longe. Não adianta nos dizerem que somos lindos, inteligentes, não nos convencerão e teremos certeza de que nos dizem isso apenas para que nos sintamos melhores.

Frequentemente não conseguimos começar ou dar continuidade a alguma tarefa à qual nos propusemos e que provavelmente sabemos que irá nos ajudar. Podemos andar de um lado para outro, impacientemente, pensando em muitas coisas para fazer, e mesmo que esse processo dure horas, não vamos encontrar nada que nos atraia o suficiente. No meio de uma manhã qualquer, brota um choro copioso, espasmódico, soluçante, com lágrimas grossas e pesadas, assim, sem que saibamos direito por quê, sem podermos identificar qual é a emoção envolvida, nem culpar nossas lembranças ou alguma cena na TV. E depois de algum tempo "estamos chorando porque estávamos chorando" e "nos ver chorar nos deixa tristes", impotentes, incapazes de cuidar de nós mesmos.
Alguns dormem muito, têm sono a qualquer momento, e podem passar o dia, ou dias inteiros, na cama, numa visível atitude de fuga, no conforto da hibernação, quando não sofrem conscientemente, e alcançam a dádiva de não ver o tempo passar. Outros, porém, não dormem, ou não dormem bem, demoram horas até pegar no sono, o que pode acontecer ao avançar da madrugada. Pode ser também que adormeçam logo, mas acordam pouco depois e ficam solitários com seus pensamentos devastadores até o amanhecer, sentindo a angústia de ser a única pessoa acordada e angustiada, quando todos estão dormindo (sim, é assim que pensamos quando isso acontece). E, cruelmente, não podemos escolher se dormimos muito ou se dormimos nada.
Quando tentamos relatar nossos sentimentos e pensamentos aos outros, quase sempre somos incompreendidos. É muito comum nos dizerem frases como: “Mas como você pode pensar assim?”, “Uma moça tão bonita, jovem, filha de Deus, se sentindo assim…”, “Se você fosse demente, louca, se não fosse racional eu até entenderia", "Você tem tudo que muitos gostaria de ter e por isso não deveria se sentir assim"…. Todos querendo ajudar, nos colocar pra cima, mas ainda assim não podemos evitar o sentimento da incompreensão e sabemos que somos culpados pela frustração deles.
É nossa culpa aquela nota baixa que tiramos na oitava série, aquela amiga que perdemos por causa de um namorado, todos os namorados que nos deixaram (não lembramos que muitas vezes nós é que os deixamos), a blusa favorita manchada, a camisa do marido queimada com o ferro de passar, os quilos adquiridos, a falta de um casamento, de um emprego, as brigas de família, a falta de talento, as pontas do cabelo danificadas, a falta de vontade de fazer qualquer coisa. É tudo culpa nossa, e isso pesa como se fossem fatos extraordinários, importantíssimos e irreparáveis. E quando a sua psiquiatra te liga desmarcando a consulta quando você já está quase chegando ao consultório, você pensa: “Só podia ser comigo!”.

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